Um dos veículos de propagação de conhecimento artístico e cultural mais hodiernos é a mídia dos jogos digitais, sua recente popularização ao redor do mundo ainda possui aspectos que não são de conhecimento geral, com isso, a proposta deste artigo é apresentar a complexidade dos games àqueles que se interessam pelo tema, bem como tentar quebrar o paradigma acreditado por muitos de que isso serve apenas como produto infantil.
Os Videogames eram de fato, inicialmente, voltados a um público-alvo infantil, mas tal conjuntura foi mudada conforme as possibilidades da tecnologia se expandiram. Existem games de dois principais escopos com mesma importância: os “Triple A” ou “AAA”, aqueles cujos desenvolvimentos são realizados por empresas maiores, com altos orçamentos (algo parecido com o termo “Blockbuster”, relativo ao Cinema, a fins de comparação), e os “Indies”, realizados por equipes pequenas e pouco conhecidas, normalmente atrelados a programas de financiamento coletivo para seus lançamentos. Em ambos esses cenários há obras cativantes, complexas, bem desenvolvidas e tão relevantes quanto um livro, série ou filme.
O primeiro exemplo de como é possível conhecer mais sobre Ciências Humanas jogando Videogames é “Hellblade: Senua’s Sacrifice”, desenvolvido pela “Ninja Theory”, se trata de uma produção que aborda como tema central de sua narrativa a esquizofrenia, um distúrbio mental comum em que as formas de pensamento e comportamento de um indivíduo são afetadas. A protagonista deste jogo é Senua, uma jovem de cultura celta que sofre fortemente desse distúrbio, apresentando até alucinações e ouvindo vozes. A sinopse acompanha sua jornada que visa ao autoconhecimento e à superação, o jogo ensina a respeito de psicologia, representatividade e protagonismo feminino, mitologia nórdica e mais. Psicólogos trabalharam na produção do jogo, para que a perspectiva de alguém esquizofrênico fosse mostrada de maneira didática e fidedigna. “Hellblade” está disponível para jogar no PlayStation 4, Xbox One, Nintendo Switch e PC.
Um forte concorrente ao prêmio de jogo do ano na cerimônia do “The Game Awards” neste ano de 2020 é “The Last of Us Part II”, proposta roteirizada por Neil Druckmann e desenvolvida pela “Naughty Dog”, que apresenta uma realidade de futuro distópico onde um fungo do gênero Cordyceps, por meio de uma mutação genética, causou uma Pandemia que destruiu a humanidade, infectando pessoas e tomando conta de seus sistemas nervosos, matando-as e controlando-as. Ellie, uma das protagonistas, é imune ao fungo e, por isso, poderia ser a chave para curar a espécie humana. Uma atitude de moral questionável tomada por Joel, personagem jogável do game anterior, na conclusão do primeiro título altera o rumo desta história. Por mais que tudo remeta a um “filme B” de zumbis, “The Last of Us Part II” não é o que parece, seu roteiro é rico, profundo, foca em desconstruir o maniqueísmo da existência de bem e mal, constrói bons personagens, humanos, carismáticos, palpáveis, que erram e acertam como pessoas normais… Tudo isso alcança uma atmosfera orgânica e muito crível. Comentar mais que isso revela “spoilers” nada agradáveis, o ideal para conhecer essa obra é jogar por conta própria, expressar diversas emoções e arrepios com a história que envolve vingança, princípios, orgulho, ego, amor e, acima de tudo, uma mensagem e uma lição sobre empatia. “The Last of Us Part II” está disponível agora para jogar no PlayStation 4.
A próxima recomendação é “Death Stranding”, um dos jogos mais aclamados de 2019, dirigido e idealizado pelo renomado criador da série de jogos “Metal Gear”, Hideo Kojima. Este jogo também envolveu em sua produção o cineasta Guillermo del Toro (“O Labirinto do Fauno”, “A Forma da Água”), Norman Reedus (“The Walking Dead”), Mads Mikkelsen (“Hannibal [2013]”), Troy Baker (“The Last of Us”) e muitos outros atores e atrizes coadjuvantes extremamente competentes para captura de movimento e atuação de voz. Kojima, neste projeto, teve a intenção de inovar criando um novo gênero de jogos digitais chamado por ele de “Strand Game”, nele, o jogador precisaria criar laços e conexões entre pessoas para unir uma nação. A premissa parece simples, mas dentro dela há uma sutil e importante crítica geopolítica a todo o sistema de organização humano. Na prática, dentro do jogo estamos em um mundo pós-apocalíptico singular e distinto do nosso, seu funcionamento é introduzido aos poucos ao jogador. O principal objetivo do protagonista Sam é realizar entregas de um ponto a outro em um grande e devastado mapa, sendo ele o único capacitado para conectar todos à rede quiral, um tipo de internet mais avançada que permitiria o avanço da humanidade em conjunto. A jogabilidade é diferente de tudo, um pouco estranha e repetitiva em uma primeira vista, mas ainda assim, funcional e peculiar, sendo que Sam conta com inúmeros equipamentos durante suas longas e profundas caminhadas. A trilha sonora, juntamente com o roteiro inexorável e as volumosas mecânicas variadas dentro do conceito desse game são o que fazem com que ele valha a pena. “Death Stranding” está disponível agora para PlayStation 4 e PC via Windows.
É possível citar quase infinitas menções honrosas dentro destes mesmos exemplos. Como a franquia “Assassin’s Creed” da “Ubisoft”, que mescla acontecimentos reais com fictícios dentro de diversas temáticas históricas, como Revolução Francesa, Revolução Industrial, Egito Antigo, período das Cruzadas, Renascimento Italiano, etc. agregando muitas informações a respeito para aqueles que jogam. Como “Shadow of The Colossus”, dirigido por Fumito Ueda, que passa mensagens subjetivas dentro de uma mitologia própria aproveitando muito de seu minimalismo, marcando a sexta geração de consoles. Como “Life is Strange” e “Detroit: Become Human”, desenvolvidos respectivamente pelas empresas “Dontnod” e “Quantic Dream”, dois jogos do gênero “Interactive Storyteller”, cujo foco está em desenvolver um enredo maleável, com escolhas e diferentes desfechos. O primeiro exemplo citado desse gênero questiona o Determinismo Social e a existência de um destino, já o segundo, questiona o Machine Learning, os direitos e a Liberdade dos cidadãos. E, por último, como em “What Remains of Edith Finch”, uma curta campanha que mostra apenas a vida normal de uma mulher revisitando seu passado.
Não é correto compactuar com o pensamento de que Videogames não são uma forma de expressão cultural, social e artística complexa e imersiva, pois isso é retrógrado atualmente. Toda ficção a ser contada dispõe de diferentes eixos narrativos. Um livro possui um eixo narrativo para ordenar seus acontecimentos, já um filme, além disso, dispõe de outro eixo para gerar experiências sensoriais que aprimoram o momento vivenciado, usando de visão e audição, por exemplo. Se for aplicada a mesma lógica sobre um game, seu diferencial seria um terceiro eixo que contém a interatividade, sendo que no momento, o interlocutor que está jogando tem controle total de seus movimentos dentro do que foi programado. Em suma, dividimos a narrativa de um jogo em duas partes: uma é chamada Narrativa Embutida, que acontecerá independentemente das ações do jogador, vista normalmente por meio de “cutscenes”, as cenas pré-renderizadas ou animações programadas para serem reproduzidas em um dado local, e de “set-pieces”, momentos jogáveis únicos que ocorrem em momentos específicos; a outra parte é chamada de Narrativa Emergente, aquela que é estritamente única para cada indivíduo, abrange os meios de executar um mesmo objetivo e as possibilidades dadas pelo game.
Em geral, a mensagem a se passar é a de que todos deveriam dar uma chance aos Videogames, eles podem ser mais fantásticos do que se imagina, jogos são divertidos, inefáveis, emocionantes, devem e merecem ser levados a sério. Tudo se intensifica ainda mais se levar em consideração que esse nicho conta com uma comunidade ativa cada vez maior no Brasil. Os joguinhos menosprezados por tantos têm sua relevância e possuem uma indústria que gera mais faturamento dentro do Mercado Econômico que as respectivas indústrias da Música e do Cinema somadas. Games possuem carinho e amor e devem ser consumidos.
Escrito por Pedro H. S. Nunes.
Lembrando que o foco do texto são pessoas leigas no assunto, caso alguém queira discutir mais sobre isso comigo, acompanhe-me em meu projeto de podcast semanal sobre games chamado: “Pixel Podcast”, que pode ser encontrado em todas as principais plataformas de streaming de áudio! :D
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