Zygmunt Bauman completou 90 anos em 2015. No dia 19 de novembro, o sociólogo polonês que se mudou para o Reino Unido (em 1971, a Universidade de Leeds o contratou como professor, depois que ele foi impedido de lecionar na Polônia comunista por ser judeu), completou 90 primaveras e morreu com 91 anos em 9 de janeiro de 2017. E ele nunca deixa de observar a sociedade contemporânea e de denunciar os seus desvios e distorções.
A reportagem é de Lorenzo Fazzini, publicada no jornal Avvenire, 12-11-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nesta entrevista, ele relança a sua admiração pelo Papa Francisco, revela uma paixão juvenil sua pela figura de Cristo e entrega aos jovens o bastão para construir um mundo mais justo e equitativo.
Eis a entrevista.
O seu 90º aniversário nos lembra que você é uma espécie de "século breve" encarnado: a sua vida (nascido em 1925) nos remete (quase) para aquele 1915-1989 retratado por Eric Hobsbawm. Você viveu as grandes tragédias do século XX: nazismo, Holocausto, Hiroshima, comunismo. Esses eventos fizeram você perder o otimismo pelo gênero humano?
Enquanto vivo, eu espero: essa é a máxima que eu aprendi quando criança. E também acredito, no fim deste meu "século breve", que, enquanto espero, eu vivo. Mas admito que, embora neste século conseguimos deixar para trás muitos tipos de miséria humana, muitos outros crimes e catástrofes, se não mais, e não menos, tóxicos, ameaçadores e criados pelo homem os substituíram, como as lendárias cabeças da hidra que renasciam logo depois de terem sido cortadas. Eu não nego que preferiria acabar a minha vida em um mundo menos obscuro e menos hostil para com os seres humanos em relação ao mundo em que eu vivo e, acho, morrerei.
Portanto, presumo que você não está otimista em relação ao futuro...
Apesar de ser um pessimista a curto prazo, permaneço otimista sobre o longo prazo. Quando se trata de lutar por um mundo mais luminoso e mais amigável, a frustração por aquilo que se ama e se espera não é um motivo para abandonar esse compromisso. E essa - como a vida me ensinou - permanece impotente para vencer a resignação até que nós, voluntariamente, permitamos.
A partir de um dos seus textos de referência, O mal-estar da pós-modernidade (Ed. Jorge Zahar), publicado no ano 2000, tomo uma frase que o Papa Francisco lembra continuamente: "A famigerada globalização da economia e das finanças apresenta mais um aspecto, que poderíamos definir como globalização da miséria". No mesmo livro, você denunciava que, tendo caído o Muro de Berlim, levantara-se outro, o muro do mercado. Por que a solidariedade e a justiça ainda não conseguiram minar o egoísmo e a injustiça?
O mercado consumista - conhecido por ser capaz de domesticar e instar a ganância humana - e o tipo de vida humana que ele promete, uma vida baseada na explícita ou implícita promessa de que todos os caminhos para a felicidade humana levam, no fim, para uma loja para comprar, causou o rápido crescimento da desigualdade social, multiplicando e aprofundando as divisões entre as pessoas como um específico e, talvez, inseparável, efeito colateral seu. A globalização, sob a forma assumida até aqui, significa principalmente a difusão de tais efeitos em todo o mundo. Nesse sentido, ela foi e continua sendo "globalização da miséria". A tarefa de reformá-la em uma globalização da dignidade humana, da moral e da felicidade cabe aos mais jovens.
Um recente livro seu, publicado na Itália pela editora Laterza, com o teólogo polonês Stanislaw Obirek, intitula-se Conversazioni su Dio e luomo [Conversas sobre Deus e o homem]. Hoje assistimos, em nível global, a um recrudescimento do confronto intraislâmico entre xiitas e sunitas: o nascimento do chamado Estado Islâmico é visto por muitos observadores como um sintoma dessa luta intraislâmica. De que modo o pensamento secular pode ajudar o Islã a reconciliar a religião com a modernidade?
Não está em jogo a conciliação da religião com a modernidade. Nenhuma religião que eu conheça foi ou é negligente em expor os produtos mais na moda da modernidade a serviço daquilo que ela acredita que é a única fé e para derrotar aqueles que ela considera como hereges ou pagãos. O que está em jogo aqui é algo mais: a separação da fé - herdada ou escolhida - dos direitos humanos; a relação entre Deus e o homem como uma questão de consciência pessoal; o direito universal de servir a Deus de diversos modos e o respeito mútuo por essas modalidades; o ser de Deus como um Deus da humanidade, não um Deus de tribos reciprocamente inimigas e antagonistas. Em poucas palavras: um Deus de unidade, não de divisão entre os homens; um Deus de amor, e não de ódio.
A sua recente apreciação pela figura e pelas palavras do Papa Francisco encontraram uma grande repercussão na Itália. O que você gostaria de perguntar ou do que gostaria de falar com o pontífice, se pudesse encontrá-lo pessoalmente?
O Papa Francisco não precisa das minhas perguntas. Todos os dias, ele sai com respostas para perguntas que eu ainda estou tentado articular, e com a metade do seu sucesso. Em outro diálogo com Stanislaw Obirek (On the World and Ourselves, Ed. Polity, 2015), o meu interlocutor explicou assim o sábio chamado dos apelos de Jorge Mario Bergoglio: o papa demonstra "uma certa empatia pela fragilidade e pelo pecado humanos e, ainda mais, Francisco não eleva a si mesmo acima de nós, mas está ao nosso lado". Pouco antes de setembro de 1939, ou seja, o início da Segunda Guerra Mundial, eu li o livro de Emil Ludwig, Filho do Homem. A história de um profeta.
Um relato que me impressionou muito e sobre o qual eu me lembro de ter ruminado por várias semanas, durante a minha viagem através da Polônia em chamas e ensanguentada. Ludwig, como eu salientei ao comentar a sugestão de Obirek, designava ao herói desse relato um dom que "levou pescadores, artesãos, pequenos comerciantes a encher as casas de oração para escutá-lo quando ele chegava de Nazaré. As pessoas se acotovelavam ao redor dele, porque esse nazareno não lhes trazia outra ladainha de prescrições ou de normativas, nem prometia tormentos do inferno para os desobedientes, mas anunciava a Boa Notícia: ele trazia a esperança".
O que une, portanto, esse livro lido há 70 anos e o papa atual?
O herói do relato de Ludwig trazia um novo modo de ser escutado. Eu sinto que essa é a impressão que os discursos do Papa Francisco transmitem, embora se focalizem nas raízes terrestres do mal e da miséria humana no nosso mundo.
Entrevista retirada do site Filosofia.com.br
Até a próxima!!!
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